I’m Feeling | Hoje escrevo para ti…

“Um militar da Força Aérea Portuguesa enforcou-se na base aérea de Beja, onde cumpria serviço militar, alegadamente após ter sido alvo de comentários homofóbicos por parte dos seus colegas. O jovem de 23 anos foi encontrado morto no quarto onde dormia na madrugada de quinta-feira. Comentários tecidos sobre os seus “maneirismos femininos” terão estado na origem da sua decisão de pôr termo à vida.” (fonte: Revista Online Sábado)

Foi assim que soube da notícia. Fiquei com ela na cabeça e principalmente no coração, desde o dia que a li.

Hoje, decidi escrever-te uma carta.

Dedico-te o “I’m feeling rainbow”, porque faz todo o sentido. (quem não entender, procure no google sobre rainbow flag)

Não te conhecia, não sei se eras alto ou baixo, loiro ou moreno, mas isso pouco me importa.

Tinhas 23 anos e foste embora.

Mostraste-me que o mundo é cruel. Mostraste-me que o teu mundo era cruel e quiseste sair dele. E não és certamente, o único a sentir isso.

E isso assusta-me.

Sabes, fiquei mesmo muito chateada e zangada ao ler as notícias sobre ti.

Ainda mais zangada fiquei, porque não vi grande boom mediático sobre esta notícia.

É que, se isto, não é um assunto gravíssimo no nosso País, então o que é??

Começa-me a faltar a sabedoria, para entender como se relativiza um tema destes.

Sabes, gostava de morar num País, onde os homens (h com minúscula, porque o único Homem com H maiúsculo, nesta história, eras e és TU), que tanto mal te fizeram, que te humilharam vezes sem fim, que te destruíram por dentro e te levaram a um limite, fossem ferozmente punidos, aliás, exemplarmente punidos, para acabar com este circo (com todo o respeito a quem faz de palhaço profissão e vida) de uma vez por todas.

Minto.

Não era isso que eu gostava.

Eu gostava de morar num País, onde nenhum Homem te perseguisse ou insultasse. Que não te obrigassem a viver debaixo de um cenário dantesco de destruição e ódio. Que não te considerassem diferente ou inferior. Que te respeitassem, como todos merecem ser respeitados. Que te deixassem viver com base no amor e na paz.

Eu gostava tanto que a tua mãe, ainda tivesse cá o filho que tanto ama.

Tenho muita dificuldade, em entender porque te fizeram isso, mas ainda mais dificuldade em aceitar.

Que merda de homens pequeninos são esses? Há fardas para o tamanho deles?

Desculpa, se sendo uma portuguesa que pago impostos e que alimento este sistema manipulado, não fiz mais para lutar contras as ditas diferenças.

Perdoa-me.

Mas, eu nunca te vi como um diferente. Nem a ti, nem a ninguém.

Perdoa-me o egoísmo de eu achar, que o mundo funciona como a minha cabeça, e não me aperceber, que aqui ao lado estavas a ser humilhado, perseguido e mal tratado vezes sem fim.

Perdoa-me.

Tinhas 23 anos. Apenas 23 anos…

Olha, sabes uma coisa? Apesar de não nos conhecermos, tínhamos uma coisa em comum. Eu quando era pequena, os rapazes da minha rua, diziam que eu era uma “maria rapaz”, e ainda gostavam mais de mim por isso. Então e tu? Diziam que tinhas “maneirismos femininos” (seja lá o que isso for) e tiveram que te abater?!

Não entendo.

Desculpa fazer-te tantas perguntas, mas não consigo aceitar esta história, sem uma imensidão de porquês e sem esta agonia que sinto.

Mas afinal eras diferente… mas diferente de quê? De quem?

Tinhas que ser aceite?? Aceitar? Esse verbo não se aplica em Seres Humanos porra!

Há algum formato standart? Temos que ser todos loiros, altos, olhos azuis e falar alemão? Se nem o Hitler o era, agora vamos ser nós! E que eu saiba, raças standartizadas é nos animais, e esses não têm comportamentos miseráveis como aquele que tiveram contigo!

Mas que merda de mentes bloqueadas!

Já reparaste que estou mesmo muito chateada com isto tudo.

Também eu, sinto que me humilharam.

Imagino no quão tristes estarão os teus amigos. E tu próprio também estarás, afinal só querias ser feliz. Só e tão imensamente feliz.

Foste embora. Partiste. Deixaste todos os que amavas e decidiste partir, porque no outro lado da balança a dor e o peso era tão maior, que não aguentaste mais.

Sabes como eles se despediram de ti? Foi assim:

“mediante as conclusões a que esse inquérito chegue, a Força Aérea agirá em conformidade”.

Hoje é Dia do Pai. O teu Pai deve estar triste.

Será que alguns daqueles homens pequeninos são pais?

Imagino no desgosto dos filhos deles ao lerem a notícia que eu li. Eu teria vergonha de ser filha de um homem pequenino desses, que se esconde atrás de uma farda.

Será que algum deles, se dirigiu aos teus pais e lhes pediu desculpa por não te proteger? Ou continuaram a ser pequeninos?

Será que algum dia, os teus pais vão voltar a sorrir?

Espero que finalmente, tenhas encontrado a tua paz

Despeço-me, deixando um enorme abraço de respeito aos teus familiares e amigos.

Carta para ti...

6 Replies to “I’m Feeling | Hoje escrevo para ti…”

  1. Maravilhoso 🙂

  2. Muito, muito triste que histórias destas comecem a ‘passar ao lado’ e a tornar-se banais. Se este mundo fosse justo, aconteceria exactamente o oposto! Eu gosto de acreditar que um dia há-de tudo melhorar… Mas às vezes é tão difícil acreditar…
    Bonita homenagem, Maria! Obrigado!

    – Ela.

  3. Inácio Carvalho says: Responder

    Estou completamente de acordo com tudo oque foi maravilhosamente escrito, até quando continuaremos a ser tão pequeninos?

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Maria Amélia ícone
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