Tacho

Era no fim de Setembro que um amigo meu ia finalmente atingir um patamar na sua carreira para o qual tem lutado tanto.

Liguei-lhe:

“Entãoooo posso te tratar por tu, ou agora é de você para cima???!!!” (eu com aquele tom cheio de orgulho!)

“Eh pah tu nem me digas nada! Já te ligo…”

Humm… aquela voz sem alegria nenhuma deixou-me preocupada e baixei logo os níveis de adrenalina…

15 minutos depois…

“Olha vim cá a baixo ligar-te porque não queria que se ouvisse lá dentro…”

E foi assim que começou a conversa:

Eu: Então, mas o que aconteceu?

Ele: no início de Setembro tivemos uma reunião de quadros, correu bem, inclusivamente eu já estava na apresentação com as minhas novas funções, apesar de só ir começar no fim do mês…

Eu: E…

Ele: De repente há um dia que o responsável dos recursos humano manda-me um email a pedir para ir lá tratar de formalidades. Eu estava tranquilo, achei que era sobre o cargo e vencimento novo…

Eu: Eh pahhhh… acelera que estou a ficar nervosa…

Ele: E então quando cheguei estava o director dos RH com o meu chefe e a conversa basicamente foi para me dizerem que por motivos que lhes eram alheios eu não podia ir para o novo cargo, pois a administração já tinha uma pessoa…

Eu: WHAT?!?!?!? Filhos da mãe… (para não dizer outra coisa)... E agora? E o que disseste?

Ele: Ao início não quis acreditar, depois comecei a fazer muitas perguntas…

Eu: Mas e agora?!

Ele: Um dos administradores tem um enteado que estava em Londres a trabalhar numa empresa onde o próprio tinha arranjado cunha para ele, mas ele não se adaptou à cidade e voltou. Advinha??

Eu: A sério?? O betinho teve saudades da mamã e do Urban e o padrasto arranjou-lhe um tacho foi isso??

Ele: Sim. É meu chefe agora… Nem acreditas. Um garoto que não sabe nada do que está a fazer. E eu que dei tantas mas tantas horas a esta empresa. Que negligenciei o meu filho para estar aqui todos os dias até às tantas. Que deixei o ginásio, que nunca tinha tempo para ir teatro ou cinema. Que deixei de ter amigos e que a minha mulher quase me deixou, porque acreditei no que me disseram. E agora respondo a um miúdo que todos os empregos que teve foi por cunhas e os dias mais cedo que chega é por volta das 12h e ainda temos direito a vê-lo chegar a cheirar a álcool. Acabei o meu curso com média de 16. Nunca fiz mal a ninguém, sempre cumpri e superei todos as expectativas sobre mim aqui dentro e agora até o meu gabinete perdi.

 

Cortou-me o coração.

Eu sei o esforço que tu fizeste…

Eu sei o tamanho da tua entrega.

Eu sei o quão prejudicaste a tua vida pessoal e emocional.

Eu sei o quão difícil foi não teres visto a primeira caminhada do teu filho e de teres passado dias que só vias o teu filho a dormir.

Eu sei que é tão injusto.

Mas não sei o que te dizer para minimizar esse sentimento de injustiça.

Mas também não quero que desesperes, serve-te desse triste episódio como uma aprendizagem.

Eu sou apologista que devemos abandonar terrenos tóxicos, começa a mandar CV’s. Pode ser difícil ao início, mas lembra-te sempre das tuas skills e tem orgulho na tua caminhada.

Confia nas tuas imensas capacidades, não te deixes abater, nem deixes que um tacho desses destrua a tua autoconfiança.

E nunca te esqueças que essa é a capacidade que pessoas resilientes têm.