I’m Feeling | Verde… Como os seus olhos.

Hoje era chamado um daqueles dias “perdidos”, entre consultas e levantamento de vários exames iria perder imenso tempo. Ainda por cima, como tinha ido de boleia, tive que esperar pela hora que me foram apanhar.

Mas afinal percebi, porque quis ir de boleia e não como ia sempre, não gosto de estar dependente de ninguém.

Mas percebi porque tinha que ser assim.

Acabei a azafama das consultas e dos exames, sentei-me afim de agarrar finalmente no telemóvel e trabalhar um pouco.

Passados nem uns 2 minutos, apareceu um casal. Na casa dos 70 e muitos anos… Assim à primeira vista, tinham um ar alegre, talvez fosse porque estavam vestidos de claro e com um ar bem simpático.

E eis se não quando:

“Menina desculpe, posso pedir-lhe um favor?”

Na verdade, mal os vi já estava em ansias para travar conversa com eles, estas idades fascinam-me, olho para eles e sinto sempre que são enciclopédias da vida com pernas, braços e coração.

Respondi prontamente que sim!

“A minha querida esposa tem dificuldade em caminhar e eu vou buscar o carro ao parque de estacionamento. Será que podia tomar conta dela durante esses minutinhos? Mas não a quero incomodar.”

Que amoroso! Educadíssimo e tão preocupado com a esposa. E com um ar tão feliz.

“Será um gosto!”

E foi.

Ela. Calças amarelas, camisola de uma malha (que me lembra as avozinhas) em tons claros, óculos de massa e um cabelo muito grisalho. Curto, pelo queixo.

Perguntei lhe se estava bem e ela suspirou e disse:

“Bem não estou”.(Respirou fundo com alguma dificuldade e continuou)

“Não estou, nem tão bem como já estive, nem como gostaria de estar.”

Fiquei em silêncio.

Fiquei a observá-la, como que a admirá-la. Bonita. Muito bonita. Cara e corpo de quem padecia de alguma coisa muito má e dolorosa. Ar de dor. Ar de quem se sente a perder uma batalha. Ar de quem está muito cansada.

O meu coração estava tanto encantado como apertadinho.

Continuou a falar depois de uns momentos pensativa:

“Não podemos mudar o mundo e eu já estive muito melhor que estou”

E eu, ingenuamente disse aquilo que a pouca vida que já vivi, me ensinou:

Temos que aceitar. Não temos outra hipótese.”

E ela olhou me fixamente, com alguns movimentos corporais (que desconheço o motivo) e ficou assim alguns segundos, alguns segundos que pareciram horas. Pensei para mim mesma, mas que ousadia a minha, dizer a esta senhora uma coisa destas, como se tivesse o direito de lhe querer ensinar seja o que for…e fiquei cheia de vontade de lhe pedir desculpa… e aqueles segundos não passavam…

Entretanto a senhora desviou o olhar e agarrou com força a sua bengala. Era bonita a bengala, castanha com apontamentos em marfim, davam lhe um ar de imperatriz daquelas dos filmes …

E para quebrar o gelo, decidi dizer lhe aquilo que me sobressaiu no primeiro segundo que a vi:

“Tem uns olhos lindíssimos. Esse tom de verde não é comum.”

Ela sorriu e voltou a sorrir e disse:

“Oh… Agora já não são nada, antes toda a gente me dizia isto. Mas também há quem goste mais de verdes, outros de azuis ou de castanhos.”

E eu senti, que aquele gelo já tinha sido estalado, retribuí de imediato:

“Sim, mas para mim são lindos. Eu gosto de olhos verdes. E gosto dos seus.”

E ela sorriu. Agradeceu talvez, não me lembro porque estava a contempla-la.

Chegou o marido. Cabelo todo branco com ar muito simpático e educado, agradeceu me muito por ter ficado a tomar conta daquela, que muito provavelmente foi a Mulher da sua vida, a Companheira de décadas, a sua Pessoa, a Escolhida para uma vida inteira. Aquela com quem deve ter partilhado tudo, talvez até mesmo desde a adolescência. Uma Vida. Um Amor. E era assim que ele olhava para ela e lhe agarrava no braço para a ajudar a levantar. E ela muito débil e magra, com pouca força para se agarrar a tal bengala cheia de pinta, confiou no braço daquele que foi e é o seu porto seguro e deixou se levantar com a força dele e lá conseguiu por se de pé. Com muita dificuldade, mas com muito amor vincado no rosto de ambos. E só me passava pela cabeça: o amor é tão isto.

Levantei me também, sem saber bem o que fazer… Na verdade não queria nada que aquele momento acabasse. E disse: “Desejo vos o melhor e muita saúde porque amor …(fiz aquela pausa e de voz gaga e em tom mais baixo)…nota se que existe e muito. (e voltei a tremer e a pensar que tinha voltado a pôr a pata na poça com tamanha ousadia nas palavras).

Ambos sorriram e desejaram-me o mesmo.

Fiquei a observá-los de longe a irem em direção ao carro, até que a senhora parou…olhou para trás e disse:

“Menina…. É verdade temos que aceitar. Não conseguimos mudar o mundo. Aceitar… Ah e a menina também tem um olhar bonito, mais que os olhos”.

E acabou.

A minha missão esta manhã, era exactamente aquilo que precisava para um dia que acordei cheia de dúvidas, ânsias e indecisões.

Se tivermos atentos a vida mostra nos tudo.

O que mais importa, se no fim o mais importante é termos amor no coração e sermos felizes todos os dias.

Obrigada a esta senhora de calças amarelas.

Obrigada por este momento.

Obrigada por esses olhos verdes cheios de intensidade no olhar.

O I’m Feeling Green é para si, porque eu nunca mais me vou esquecer de si e dos seus olhos.

Amor

 

8 Replies to “I’m Feeling | Verde… Como os seus olhos.”

  1. Que inspiração ler isto pela manhã..obrigada.

    1. Obrigada eu por passares aqui no meu cantinho! <3
      Beijinhos

  2. Fernanda Carvalho says: Responder

    Adorei!!!! Lindo!!!! Não há palavras para descrever este lindo episódio,obrigada, e sempre em frente.

    1. Obrigada. Beijinhos 🙂

  3. António Cardoso says: Responder

    Muitos parabéns pela sua escrita… transporta-nos para as situações, locais e pessoas!

  4. A vida trata-se de nos mostrar por que é que tudo vale a pena… Só não podemos ter uma alma pequena! 🙂
    Gostamos de ti por isto! Por tudo isto!
    Porque mesmo sem saber de que cor são os teus olhos os sabemos cheios de esperança e cheio de algo muito maior ainda… Cheios de amor!

    1. Tão queridos! ❤️

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Maria Amélia ícone
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